CVGV #2: O Vendedor Nintendista

Quando: 1992
Onde: algum lugar de SP
Moral da história: cuidado com vendedores, eles sempre querem te empurrar algo que você não quer e / ou precisa.

O primeiro videogame é um grande momento na vida de qualquer criança, especialmente um pequeno ou pequena nerd. Não é tão simples quanto seu pai teimava, tipo chegar na loja e escolher qualquer um, como quem escolhe um sapato, "são todos iguais". Não senhor...

Na cabeça do jovem nerd, passa longe de ser a simples compra de um aparelho que vai acompanhá-lo por pouco mais que alguns anos antes de trocado por algo mais avançado e largado num canto —ele ainda não sabe, mas é assim que as coisas quase sempre são.

Poucos sequer cogitam tal heresia, pois aquele pedaço de plástico com um monte de peças misteriosas que os japoneses colocam dentro são a coisa mais importante do mundo, e coisas importantes devem durar a vida toda. Assim como uns anos depois não pensarão, antes de começar qualquer relacionamento, que 99% dos namoros terminam sem virar casamento ou que amizades duram só uns 7 anos, segundo a ciência. "Nada dura pra sempre"? Bobagem, meu amigo vai ficar comigo pra toda a eternidade.

É algo mais forte, uma paixão que envolve estar enturmado, ser parte do grupo. Talvez o não-nerd tenha mais noção disso ao ganhar o videogame, porque tem outros interesses mais aguçados — pode ser o futebol, desenhar, cantar ou dançar, sabe-se lá — mas para as outras, é uma realização.

A primeira realização. Que te deixa assim:

nintendo6foooooour

Todo mundo teve sua primeira paixão, e a minha foi o Atari 2600. Lembro de cada detalhe quase isso da primeira vez que vi a caixinha colocando imagens na televisão, na casa de um vizinho recém-chegado do interior; eles jogavam Pac-Man e me convidaram pra uma partida. Eu nem sabia como aquilo funcionava e ao vê-los "comendo" os fantasmas, achei que podia fazer o mesmo, sem entender que primeiro tinha as pastilhas. O resultado foi um mico monstro, riram da minha cara até cansar, mas não importava, o 2600 já tinha feito sua função e efeito em mim: eu já tinha decidido que precisava de um daqueles em casa. Pra treinar, sabe como é, não podia deixar aquele mico barato...

Meu pai teve que se lascar pra me arrumar o videogame, de tanto que eu falei nas semanas e meses seguintes. Não dava pra comprar tudo que a gente queria, mas ele sempre dava um jeito de contornar a dificuldade, o que fazia cada presente ter um valor a mais. Não deu pra comprar um Atari da Polyvox, mas o Supergame, um clone da CCE que foi meu mundo dali por diante.

Mas tal como paixões acabam, o interesse pelo 2600 passou com o surgimento de novas belezinhas. Foi ali pela 5ª série que descobri a Sega, e um tal Master System onde poderia jogar arcades que a essa altura já conhecia, como Double Dragon. E quando encasquetei que queria um Master System, de novo foi meu pai a pagar o pato, ou melhor, o Master System, porque eu não trabalhava, era só um pirralho mal saído do ciclo básico.

Como tinha amigos que jogavam Master e pouco depois Mega Drive, Nintendo era uma palavra alheia ao meu vocabulário; revistas engatinhavam e demoraria cerca de um ano até eu ter a primeira, uma Supergame. A primeira vez que ouvi falar na companhia japonesa rival da estimada Sega foi na escola, em 1991, numa Ação Games que tinha algo sobre o Super Famicom. Passou batido pois estava obcecado pelo Master System, muito por causa de Phantasy Star.

Como eu atormentava meu pai quase semanalmente com a ladainha do videogame novo, ele me levou a algumas lojas pra ver o que podia fazer, afinal não éramos ricos e a inflação pré-Real, cruel.

Vendedor nintendista
"- Oba patrão, vamo tá levano um Nintendinho hoje?"

Numa das lojas, vi o Mega Drive pela primeira vez "ao vivo". Foi na Mesbla, que tinha um ligado rolando Shadow Dancer. Fiquei abismado com o quanto era superior ao Master, que já tinha visto e jogado na casa de amigos.

Mas eu queria mesmo o Master, não tentei dar um pulo de geração (até porque era bem mais caro). Fomos a outra loja, um lugarzinho pequeno tipo galeria, com dois vendedores. Um deles ficou teimando que eu tinha que comprar um Nintendo, que Nintendo era o bom, que era *oda, que todo mundo estava comprando, e não sei o que mais... Parecia representante oficial.

Meu pai gostou da ideia, estava meio cansado da peregrinação por lojas; o NES (na real era um Turbo Game, da CCE) estava com preço abaixo da média e o vendedor continuava soltando elogios intermináveis ao sistema; foram bem uns dez minutos ali me azucrinando, tentando me empurrar o aparelho que na minha cabeça era uma tranqueira qualquer. "Quer me vender essa bosta porque não tem o Master...".

Pra reforçar seus argumentos, ligou um ali mesmo, e ainda usava o outro cara da loja pra elogiar em dueto e falar das maravilhas do NES, de sua incrível variedade de jogos, de como eu poderia comprar games baratos, da sensacional marca CCE... zzzZZZZzzzzZ

– Você quer Master? Mas Master tem pouco jogo, é caro. O Nintendo tem muito mais jogo, não é fulano?

– Muito mais. Tem jogo de esporte, Mario... Nem tem comparação, Nintendo é muito melhor. Se fosse você eu levaria.

Eu só ouvia "blá, blá, blá". Queria por*a nenhuma de Nintendo, queria o MASTER! Não quis saber de dialogar sobre Nintendinho e eles enfim desistiram. Tempos depois compramos o Master System II de um amigo, com Castle of Illusion e Super Tennis, mais Alex Kidd na memória.

Havia aquela "rivalidade" entre donos de videogames Nintendo e Sega, então premiei o vendedor que ficou me enchendo o saco com o simpático apelido "nintendista safado"; referi-me mentalmente a ele assim por muito tempo.

turbogame vs phantasy star
Sim, gosto da Tec Toy, sai fora com esse Nintendinho...

Claro que era tudo uma grande bobagem de criança. Acabei jogando NES meses depois, graças a um amigo quase vizinho que tinha um Top Game (uma versão mais antiga do Turbo Game, também clone do NES); volta e meia fazíamos troca de videogames, e assim jogamos bastante coisa no sistema "rival".

(E que se dane o vendedor nintendista, me acabei de jogar Phantasy Star e não graças a ele!)

 

Se você também tem histórias cômicas, pitorescas ou bacanas em geral pra contar, mande pra cá!

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, mais de mil artigos publicados, mais de dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

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