Apareceu ROM de Pier Solar: alguém achou que não?

Depois de muito papo de que o jogo era "virtualmente inquebrável", que não seria suportado por nenhum emulador, que levaria décadas até aparecer um dump (se aparecesse)... Não tardou e Pier Solar and the Great Architects, RPG lançado no final de 2010 pela independente WaterMelon para o Mega Drive, começou a circular em ROM com emulador próprio, uma versão modificada do MESS.

Em tempos de cópia tão fácil, emulação comendo solta, era impossível que o game ficasse protegido numa redoma anti-pirataria — se é que o termo pirataria cabe aqui — por muito tempo. Embora eu aprecie a iniciativa de gente talentosa continuar produzindo para plataformas clássicas e ainda mais pelo resultado que conseguiram, a ideia de socar proteção me parece arcaica e impraticável; soa mais como um pedido "copie-me, por favor".

Como diria a Rita Lee, "Quanto mais proibido, mais faz sentido a contravenção ♪". Se antigamente, quando a tecnologia não era tão acessível, grandes softhouses falhavam nas tentativas de ter cartuchos protegidos; uma pequena companhia formada pelo evento desse jogo chegaria lá?

Pier Solar: o game "incopiável" foi copiado, alguém achou que não seria?
Pier Solar: o game "incopiável" foi copiado

A tecnologia existe para o criador e para o copiador, é o que ouço desde que houve aquela enxurrada de CDs piratas de PlayStation nos idos de 96... Para cada trava que inventam, a sede dos hackers em quebrá-las aumenta exponencialmente.

Se não dava pra evitar...

...o que a WM poderia ter feito para tirar o melhor proveito da cena atual?

Não que eu ache errado tentar proteger sua obra. No máximo um pouco hipócrita (pode me chamar de pobre, copiador, sanguessuga, etc), mas pra mim a estratégia de focar só nos colecionadores e entusiastas foi, no mínimo, um erro. Explico:

No começo, a ideia era criar um game comemorativo aos 20 anos do Mega Drive, distribuído gratuitamente — personagens seriam os membros do fórum onde a ideia nasceu, mas depois de algumas ideias adicionais a coisa foi crescendo e decidiram enriquecer a história para torná-la mais atraente a pessoas de fora, um lance menos fechado.

...no princípio a ideia era ser um jogo onde os personagens seriam os membros do fórum do Eidolon (The Tavern), daí o antigo nome do projeto "Tavern RPG". Entretanto, quando o Zable Fahr (Sueco) — compositor e artista gráfico — se juntou ao grupo, trouxe consigo um enorme senso artístico e também sobre a apreciabilidade do jogo. Em suma, uma história que envolve membros de um grupo específico não teria grande interesse para demais internautas e entusiastas dos 16 bits. Daí resolvemos reescrever uma história mais genérica que incorporasse, entre outras coisas, mais profundidade nos personagens e na trama em si. Túlio Adriano Gonçalves, cabeça do projeto em entrevista: Pier Solar - Entrevista com o Project Leader

Pela maior possibilidade de recursos e facilidade de distribuição, o jogo seria em CD: só baixar o ISO e rodar no emulador, ou gravar num disco e rodar no Sega CD. Depois, devido à instabilidade do ISO no videogame (segundo explicação dos autores, só funcionava bem em emulação), decidiram partir para o cartucho, mais estável e também caro — e junto com a nova mídia, compraram uma luta contra futuras ROMs do game.

Ora, a transição de CD para cartucho matou a ideia de distribuir o jogo aos fãs do Mega Drive? É compreensível que, ao escolher a fabricação dos carts, um custo surge, mas será que o público de ROMs é o mesmo dos cartuchos? Ou alguém que compra cartuchos de um videogame antigo vai trocá-lo por um mero arquivo digital?

ROM "oficial" seria prejudicial?

Duvido.

1) Pier Solar é um produto segmentado. Ao contrário de lançamentos no auge do Mega Drive, que podiam ser facilmente encontrados e jogados, Pier Solar veio quase duas décadas após o fim do ciclo do 16-bit. A distribuição é aquém do que o público fiel gostaria, pela falta de recursos da pequena WM em comparação com grandes softhouses (imagino) e por vontade da própria companhia.

Mesmo que muitos tenham ouvido falar — um game para Mega Drive em pleno 2010 seria digno de nota ainda que fosse péssimo — e se interessado em jogar, poucos poderão porque não têm mais um Mega Drive. Não pelo preço, já que pode ser comprado por qualquer merreca (se pegar um usado sem caixa, só pra jogar), mas pelas dificuldades envolvidas; a minoria tem TV de tubo disponível, outros ainda têm Sega CDs mas com problemas de leitura por tantos anos guardados, alguns têm o videogame mas não mais os cabos...

Quem compra games vai trocar tudo isso por uma ROM? Ok...
Quem compra games vai trocar tudo isso por uma ROM? Ok...

Comprar tudo isso pra jogar um game? Por melhor que ele seja, vamos considerar que só a minoria, que chamarei de "entusiastas", que ainda tem consoles funcionando e disposição de gastar com o pacote todo, vai se aventurar.

Isso torna o game direcionado aos colecionadores e entusiastas — o que a própria WM confirma. Então se só eles comprarão, porque dificultar a distribuição da ROM e até fazer acordos com desenvolvedores de emuladores pra que não deem suporte ao jogo? Por que a preocupação com um público que não é o do cartucho? Medo de um consumidor tão seleto trocar o cart cheio de detalhes e qualidades por uma mera cópia digital? Não vejo tal possibilidade em nenhum universo imaginável...

2) Não imagino grande valor "colecionável" futuro em Pier Solar, a não ser pelo reduzido número de cartuchos fabricados. Os antigos, que fizeram parte do "grande momento" trazem carga nostálgica e em alguns casos, raridade, afinal estão por aí faz tempo. Mas e Pier Solar, que apesar de parecer um belo jogo, no fundo é só um game independente? Será que vai atingir mesmo o grau de raridade que alguns compradores estão pensando, ao estocar suas unidades lacradas pra quem sabe revender por um valor vinte vezes maior mais adiante? Esse cart vai ficar bacana lá na estante, ao lado de clássicos como Phantasy Star 4 ou Streets of Rage, ou vai pro segundo plano em cinco ou seis anos?

Tenho sérias dúvidas sobre uma possível valorização, e de qualquer forma, isso não tem nada a ver com ROMs circulando. Nenhum colecionador deixaria de comprar um cartucho de Tetris do Mega Drive porque a ROM está em um monte de sites por aí. Talvez uma estratégia mais agressiva da WM, como parar de produzir o game (reprints nunca mais) o torne raro, mas não acredito que seu valor se equipare com o dos jogos oficiais, com ou sem ROMs (não que eu me importe, não sou colecionador).

Cartucho reprint de Pier Solar
Cartucho reprint de Pier Solar: será que vai continuar sendo produzido ou virará "peça de leilão no eBay"?

3) Virou comercial só por causa do cartucho? Vamos fazer um exercício mental e imaginar que a equipe final mantivesse o propósito inicial de criar um jogo aberto. Nesse caso, além de vender cartuchos com um acabamento fino pra quem assim quisesse (sou capaz de apostar que esgotaria cada edição sem dificuldade), num preço legal que pagasse o produto e os custos envolvidos, poderiam muito bem ter soltado ROM grátis e compatível com os principais emuladores, para aqueles que quisessem só jogar. O proposto inicial seria mantido, e ainda teriam o agrado para os "entusiastas".

Ao mostrar preocupação com ROMs e colocar barreiras a elas, o projeto virou 100% comercial. Acabou o propósito inicial, virou o "clubinho dos fãs fiéis que têm console ou comprarão um pra jogar". E não estou inventando ao dizer que no começo o jogo seria grátis.

Disse o próprio Túlio Adriano em entrevista ao Pop.com:

Escolhemos o Mega Drive por ser o console que mais gostamos, mas originalmente o jogo não era comercial. No início do projeto o jogo era para ter sido feito para Sega CD. Porém houveram tantas barreiras durante o desenvolvimento que decidimos passar para cartucho, e como cartuchos tem um custo de produção, o jogo teria que ser vendido.

Assim sendo, que a WM recupere o dinheiro gasto com a produção eu acho natural — se continuarem vendendo, devem recuperar. O último reprint subiu de US$45,00 para US$69,00, e agora já não tem todas as coisas que acompanhavam a luxuosa versão inicial (ainda parece muito bem acabado, diga-se de passagem), o que deve ter reduzido o custo de produção.

O ponto volta ao início: público de ROM é o mesmo que compra um produto desses?

4) Jogador de emulador = jogador colecionador? É preciso separar bem o entusiasta / colecionador (nem sempre são a mesma pessoa) do jogador de emulador. De novo, não estou fazendo julgamento do que seria melhor para a cria da WM, mas se eles pretendiam distribuir o jogo como foi planejado no começo e o único empecilho era o custo do cartucho, poderiam perfeitamente ter jogado uma ROM oficial grátis no site.

O próprio Túlio, em outra entrevista, disse:

Eu não considero ROMs e emuladores como pirataria, honestamente, além de que, no exterior a pirataria é quase nula, pois os jogos possuem preços acessíveis. A maioria dos nossos "clientes" são colecionadores e todos eles fazem imensa questão de ter o produto original, que virá com vários bônus.

Vamos parar com essa viagem de "peguei a ROM agora não compro mais". Quem diz isso não compra um jogo de RS$120,00 (fora o CD de áudio melhorado) só pra jogar. É fábula, ele não compraria de jeito nenhum. Repare no "a maioria dos nossos clientes são colecionadores".

5) Porque continuam dando chiliques violentos quando se fala em (eu disse "fala", não "pede" ou "apoia") ROM de Pier Solar? Parte desses que soltam o verbo em cima de quem ousa discutir o tema são os mesmos que já baixaram todas as possíveis de outros jogos, ROMsets inteiros, ou até babam quando falam das palhaçadas protecionistas da Ubisoft.

Pier Solar legalmente, só no Mega Drive por enquanto
Pier Solar legalmente, só no Mega Drive por enquanto

"Jogos antigos não contam porque são software morto, sem direito autoral". PAPO FURADO. Baixar ROM de game antigo não é prejudicial, mas usar ROM de Pier Solar prejudica as vendas? E os antigos vendidos com autorização das empresas no Steam? Definam: ou defendem ROMs em geral, ou nenhuma; e aí quase ninguém coloca a cabecinha no travesseiro de noite e respira aliviado pensando "posso meter o pau nessa corja suja e bandida porque nunca usei ROM".

O mais irônico é que na equipe de desenvolvimento do PS estão caras que com certeza já se fartaram de jogar em emulador ou dão suporte total a eles. O próprio Steve Snake, desenvolvedor do Fusion, faz parte da equipe. Isso significa que jogar a ROM de Pier Solar em um update do Fusion, só num futuro muito remoto e se a WM mudar de ideia quanto ao bloqueio, o que não há sinal.

E vem mais proteção por aí

A WaterMelon tem mais esquemas "doe e adote o projeto" para rolar, incluindo um beat 'em up cyberpunk para Mega Drive e um jogo a decidir o gênero para o Super NES, o que significa que a "política anti-digital" deve continuar firme e forte.

O pessoal da produção (pelo que li em outra entrevista do Túlio Adriano) não teve tempo de trabalhar num port digital e no jogo físico ao mesmo tempo, mas a possibilidade de Pier Solar surgir mais adiante em Steam e PSNs da vida existe. Faria sentido, afinal já passou o impacto do lançamento e ainda daria pra tirar um troco com a mídia digital, sem dar nada de graça pra ninguém. Qual seria o preço da versão digital do jogo? Quanto custa a modificação necessária pra colocar um jogo online?

Pelo menos agora o projeto é comercial desde a raíz, então não tenho objeção alguma aos bloqueios. Como disse, cada um faz o que acha melhor com sua criação. Só não vale ser hipócrita.

ATUALIZAÇÃO: no fim de 2013 tem versão HD para Xbox 360, PC, Mac, Linux, Dreamcast, Android, Ouya e Wii U.

Para os que compram jogos não só pra curtir, mas sentir-se parte do "clube dos exclusivos", o lançamento só físico seria um sonho. Pelo menos até algum curioso extrair a ROM.

Olhar para a frente

Acho legal que dumpem e soltem ROMs de graça sem autorização da WM? Não, seria burrice minha dizer que é legal. Por mais que eu não as veja como vilãs que roubam todo o dinheiro da companhia, como alguns afirmam veementemente, a simples existências das cópias não-autorizadas é ilegal. Ponto.

Mas não dá pra olhar o cenário atual e tratá-lo como se ainda estivéssemos em 1992 e uma cópia digital fosse tão perniciosa como um cartucho pirata. Quem realmente quer o cart vai comprá-lo enquanto ele estiver disponível, tendo ROM ou não. Se alguém vai criar cartuchos piratas no interior da Rússia ou da China, não quer dizer que os compradores eram "clientes em potencial" da WaterMelon.

PS 1: não sou mendigo virtual, não faço questão de uma ROM de Pier Solar e não tenho planos de comprar o cartucho (apesar de ficar violentamente tentado quando vejo as fotos).

PS 2: se você entende alguma coisa de inglês, tem uma discussão razoavelmente inteligente (mesclada por alguns chiliques e ironias aqui e ali) nesse tópico do fórum do Pier Solar.

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, quase mil artigos publicados em dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

4 COMENTÁRIOS

  1. ***LINK REMOVIDO***
    galera esse cara vende o jogo eu comprei e gostei da qualidade dele , mas não é original

  2. Concordo totalmente com sua opinião, pois nos dias áureos dos games (anos 90) todo tipo de pirataria rolava a solta aqui no Brbrbr, e ninguém ficou mais pobre (Softhouses), então porque desta palhaçada destes entusiastas? Olha o grande exemplo de uma junção de fãs do Streets Of Rage, criaram um game fabuloso e GRÁTIS para todo mundo jogar. Acho um tremenda hipocrisia destes caras da melancia.
    Um forte abraço.

    • Pois é, ficou meio hipócrita. Não tenho nada contra eles, acho que devem continuar criando jogos retro tipo esses e vender sim, não são obrigados a dar nada pra ninguém. Inclusive vou divulgar aqui e apoiar sempre que lançarem algo novo, mas se esse projeto do Pier Solar começou com um propósito, com tanta gente envolvida, não achei certo terminar como terminou.
      Abraço e valeu!

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