O Tio Sam tem seu manual para o apocalipse zumbi

A tão imaginada ameaça dos comedores de "mioooolos" chamada apocalipse zumbi rende filmes, seriados e games, e apesar do tema de terror, quase sempre os enredos descambam para comédias cheias de humor negro. Lentos, estúpidos de doer e vorazes como gafanhotos, como foram concebidos, eles não parecem exatamente capazes de acabar com o mundo - no máximo fazer um bom estrago local antes de serem varridos por um ataque militar, como em "A Volta dos Mortos Vivos".

Mesmo assim, há quem leve o assunto relativamente a sério, imaginando ser legítimo o levantar de defuntos podres com algum composto químico mal planejado do próprio exército, ou através de uma bactéria desconhecida tirada das geleiras do Polo Sul, ou até chegando à Terra de carona com asteroides.

Se você é dos que estão estocando alimentos e praticando tiro, relaxe: todo o poder de fogo do Tio Sam está pronto para nos proteger. A CNN revelou um documento do Departamento de Defesa americano, intitulado "CONPLAN 8888-11 Counter-Zombie Dominance Operations", modelo de treinamento com pano de fundo que todos conhecem bem: uma infestação zumbi em escala global.

E não pense que é piada, não senhor. Como informou a porta-voz do Comando Estratégico dos EUA, a Cap. da Marinha Pamela Kunze, "o documento é identificado como ferramenta de treinamento usada num exercício interno, onde alunos aprendem conceitos básicos de planos militares e desenvolvimento através de um cenário de ficção", ressaltando que "não é um plano do Comando Estratégico."

soldado zumbi
Os oficiais americanos têm todo o planejamento pronto para enfrentar os zumbis. Mas nem sempre as coisas saem como no manual... Imagem: The Gurch

Mesmo assim, a riqueza de detalhes impressiona tanto quanto um plano real, com muitas instruções sobre situações ofensivas e defensivas, formas de contaminação e até considerações legais sobre a legalidade de agir com força contra os seres que já foram humanos.

Conhecendo o inimigo

O plano se apresenta como base para a ação crítica de preservar vidas humanas contra as supostas hordas de zumbis, focado em três pontos: criação de uma defesa vigilante para proteger a humanidade; se preciso, operações para erradicar os zumbis (considerando que eles não "morram" sozinhos, se forem expostos a longos períodos sem comida, sob sol extremo, etc), e por fim, ajudar autoridades locais a manter a ordem e preservar serviços básicos durante ataques.

O documento segue com possíveis formas de inibir a praga: se iniciada na Eurásia, poderiam evitar a chegada às Américas pelo controle de tráfego aéreo e marítimo. Já no caso de infecção por radiação espacial vinda num asteroide, seria impossível determinar o ponto inicial. Precisariam de uma ação imediata, decisiva e possivelmente unilateral para impedir que a horda se alastrasse ainda mais, já que os zumbis aumentariam de forma rápida - "milhares em poucos minutos".

O "resumo de ameaças zumbis", curioso e até divertido (tirando o último), descreve cada "espécie":

  • Zumbis Patogênicos (PZ): criados pela infecção por vírus ou bactéria.
  • Zumbis de Radiação: pela exposição a uma dose extrema de radiação e/ou partículas eletromagnéticas.
  • Zumbis de Magia Negra (EMZ): surgiriam através de algum "experimento oculto", por isso chamado de "Evil Magic Zombies". Note que o "experimento oculto" não teria nada de científico, já que mais adiante o manual cita ligações religiosas, como veremos.
  • Zumbis do Espaço (SZ): surgidos no espaço ou criados pela contaminação terrestre por alguma forma de toxina ou radiação alienígena. Zumbis em satélites não seriam problema, exceto se este saísse do controle por terra.
  • Zumbis Armamentistas (WZ): criados por engenharia biomecânica e/ou bioengenharia com fins militares.
  • Zumbis por Simbiose (SIZ): organismos zumbificados por uma forma de vida que pode ou não matar o hospedeiro, mas de qualquer forma, não o faria rapidamente por depender dele. Não seriam conhecidas formas de remover o "hóspede".
  • Zumbis Vegetarianos (VZ): podem ter qualquer das origens anteriores, mas não representam ameaça direta aos humanos por alimentar-se só de vegetais - algo como os zumbis de Plants vs Zombies.. Ainda assim, teriam potencial destrutivo ao meio ambiente, com chance de gerar importante desflorestamento e até eliminar grãos como arroz e milho, afetando nossa alimentação e a economia. Em vez de murmurar "miolos", esses seriam avessos aos humanos e murmurariam "grãããos" - em inglês fica melhor: seria "graaains" em vez de "braaains".
  • Galinhas Zumbis (CZ): por ridículo que pareça, elas existem. O tema foi discutido a partir de 2006, quando galinhas velhas demais para botar eram simplesmente descartadas por granjas nos Estados Unidos. Algumas não passavam pela eutanásia de forma adequada (geralmente em câmaras de gás), sendo vistas atordoadas nos depósitos onde foram deixadas, em meio a pilhas de animais mortos - daí ganharam o nome de "galinhas zumbis". As chicken zombies são visões horríveis e uma causa provável para imediata conversão de pessoas em vegetarianas, como protesto aos maus-tratos contra animais. Ao contrário dos outros zumbis, surgem da tentativa de matar um ser vivo em vez de reanimar um morto.

Há ainda considerações sobre contaminação de água potável, criação de abrigos, e a quase inexistência de regras militares ao combater uma ameaça patogênica, cibernética ou zumbi. As ações seriam tomadas sob regime de lei marcial.

As formas de combate, claro, citam o clássico ataque direto à cabeça dos zumbis:

A única forma considerada efetiva de causar baixas nas linhas zumbis é com a concentração de todo o poder de fogo nas cabeças, especialmente no cérebro. O cérebro humano continuará funcionando no estado zumbi, mas é universalmente sabido que a única parte realmente ativa é o tronco cerebral.

A posterior queima dos cadáveres garantiria o fim das criaturas; os movidos por "magia negra" teriam como grandes combatentes os oficiais capelães, sendo ateus especialmente vulneráveis aos EMZ.

Apocalipse zumbiClichês da mitologia zumbi são descritas, como humanos infectados que, pelo instinto de auto-preservação, escondem o fato até ser tarde demais, e a total ineficácia de táticas de controle de massas - zumbis não sentem dor ou medo. Bombardeios a grandes concentrações deles e até mesmo ataques nucleares seriam empregados, se preciso.

Como pontos críticos são apontados hospitais e centros de saúde, onde pessoas infectadas ainda não transformadas procurariam ajuda, causando mais contaminação; estruturas da lei, com policiais e outras forças sem treinamento sendo vitimizadas; estruturas de distribuição de energia, com a possível falta de pessoal especializado para manter os serviços, etc.

Fica claro que todas as medidas devem ser tomadas para evitar a vitória dos zumbis. A ordem é que pessoas saudáveis, em caso de ataque nas imediações, sejam proibidas de ficar para trás tentando salvar amigos, familiares e outros entes queridos incapazes de evacuar rapidamente o local, devendo militares e policiais garantir que tal medida seja cumprida.

Afinal, para cada pessoa contaminada, haverá mais um soldado nas linhas inimigas.

Serventia?

A serventia, claro, não é para um evento real. Não há indício algum, num horizonte próximo, de que o apocalipse zumbi esteja chegando ou chegará um dia. Mas também não é piada.

Como destacado logo no começo do documento:

Este plano não foi desenhado como piada. Durante os verões de 2009 e 2010, no treinamento de reforços de um esquadrão local sobre o JOPP, membros de um componente da USSTRATCOM descobriram (acidentalmente) que a hipérbole envolvendo o termo "plano de sobrevivência zumbi" fornecia uma ferramenta de treinamento muito útil e efetiva. Planejadores que participaram do JPME II no Joint Combined Warfighting School também perceberam que exemplos de treinamento devem levar em conta consequências políticas caso o público geral erroneamente acredite que um cenário de treino seja real. Em vez dos resultados arriscados de ensinar reforços com cenários como "Tunísia" ou "Nigéria", preferimos um completamente impossível, que jamais poderia ser confundido com um plano real.

Ou seja, é para treinamento, pois numa fictícia crise zumbi, estruturas emergenciais e militares teriam muito em comum com a usada em outros destinos "apocalípticos". Não é a primeira vez que órgãos oficiais abordam a fantasia com os zumbis: centros de controle de doenças e de segurança nacional haviam usado os mortos-vivos e suas implicações como template para cenários reais.

Seja bizarro, caricato, genial ou como quiser chamá-lo, o manual tem outra indicação: inspirador para quem anda pensando em roteiros no tema, que apesar de batido, ainda deve render. Leia-o na íntegra aqui (em inglês).

Imagens: Are You Ready, de Stephen Dann, e Zombie!, de Daniel Hollister

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, mais de mil artigos publicados, mais de dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

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