Entrevista: Yutaka Sugano, produtor de Shinobi

Nos anos 80, Hollywood teve um boom de filmes sobre ninjas. Não eram produções fiéis à figura do agente secreto medieval, nem tentavam retratar o Japão feudal: estavam mais para um "fast-food", atendendo ao gosto local com várias "licenças artísticas". Bastava um enredo simples e os guerreiros estavam na América para aventuras cheias de ação, lidando com punks, terroristas e outros bandidos genéricos do Ocidente.

A mistura deu certo, fosse com japoneses ou americanos no papel principal — os chamados ninjas americanos. Em 1980, Chuck Norris estrelava "Octagon, Escola de Assassinos", combatendo um clã de ninjas terroristas. Na chamada "Trilogia Ninja", Sho Kosugi dividiu o estrelato com Franco Nero em "Ninja, A Máquina Assassina", Keith Vitali em "A Vingança do Ninja" (na qual este interpreta um ninja mascarado) e Lucinda Dickey em "Ninja III, a Dominação". "Guerreiro Americano", de 1985, trouxe um militar chamado Joe Armstrong (Michael Dudikoff), convertido em ninja enquanto servia nas Filipinas.

Por mais alegóricos que fossem, eram filmes divertidos e de algum sucesso. Sucesso é igual a dinheiro, e logo a indústria de games cresceu olhos para o nicho.

O primeiro jogo que se tem registro veio bem antes: Ninja Gun (veja aqui), arcade eletromecânico produzido em 1969 pela Kasco Co. Mas como videogame propriamente dito, o inaugural seria Sengoku Ninja Tai, lançado pela Data East no final de 1980. A jogabilidade era em visão superior, num tipo de perseguição e tiro num labirinto.

Em 1983, Ninja Warrior (veja o vídeo) saiu para computadores Dragon 32/64 e TRS-80 CoCo; foi um dos primeiros com a combinação ninja + side-scrollingNinja Hayate (1984, Laserdisc), relançado no Sega CD em 1994 como Revenge of the Ninja, contava a história de um ninja adolescente, na jogabilidade clássica dos FMVs. The Legend of Kage, de 1985, foi portado do arcade da Taito para consoles.

Tal como o tema se espalhava no cinema, continuou nos videogames com Ninja Princess (Sega, shooter de 1985), Kid Niki: Radical Ninja (Iren, ação em plataformas de 1986), e muitos outros. Em meados da década, tinha ninja para todos os tipos de público.

Mas o que esses games tinham em comum? Virtualmente todos seguiam a linha "formal", de ninjas num tempo medieval oriental, com castelos, florestas e samurais.

Foi nesse cenário que a Sega apareceu com Shinobi, em 1987. Difícil, tenso e muito bom, ganhou status rápido, abrindo uma série que foi parar nos consoles.

Em vez do Japão antigo, o herói era um "Joe" nipo-americano, carregando um sobrenome de peso: Musashi. Nascido no vilarejo do clã Oboro, em Tóquio, ele luta num Japão moderno (em algum ponto da década de 1960 ou 1970) que lembra demais os filmes que os americanos adoravam.

O produtor foi Yutaka Sugano, um engenheiro de minas recém-contratado pela Sega para o cargo de game designer. Por mais antagônicas que pareçam as funções, ele garante que não eram tão diferentes: "Você não acha que explorar subterrâneos tem algo a ver com videogames?".

Ele conversou com o Memória BIT e contou um pouco sobre a produção do icônico título, prestes a completar trinta anos. Revela ainda inspirações, ideias de design, a motivação da Sega ao deixar a franquia de lado, e até esclareceu o "grande mistério": por que Musashi não usa máscara durante o jogo?

Memória BIT: Para começar, fale um pouco sobre você. Qual seu histórico educacional e profissional, e como isso o levou a trabalhar para a Sega? Você começou lá no setor de Pesquisa e Desenvolvimento de arcades, certo?

Yutaka Sugano: Comecei na Sega na divisão coin-op, em 1985, como game designer. Fui transferido para ficar nos Estados Unidos entre 1989 e 1994, e deixei a Sega em 1998. Atualmente trabalho para a Arzest Corporation como produtor, desenvolvendo recentemente Mario & Sonic Rio Olympic, para o 3DS. Nosso novo título deve chegar em breve, então confiram quando for lançado!

Quanto ao meu histórico educacional, me formei em Engenharia de Minas. Havia prática de mineração na graduação. Cheguei a descer 600 metros num túnel subterrâneo. Era como se estivesse no mundo de "Pitfall", e a experiência me fez ter interesse na indústria de games.

MB: Nossa, Engenharia de Minas? Apesar da referência de Pitfall, uma área bem diferente, não? Chegou a ter contato com outros games antes? Ou não tinha interesse algum no assunto, e a oportunidade na Sega apareceu e você a pegou?

YS: Descer por túneis até subterrâneos era uma experiência extremamente incomum. Era um lugar completamente escuro, quente e úmido. Eu só conseguia enxergar uma área estreita, iluminada pela luz fraca do meu capacete. Era como explorar um dungeon. Você não acha que minas e games têm muitas partes em comum? 🙂

Depois da graduação, fiz entrevistas em algumas empresas. A Sega era a única na indústria de games, e foi minha primeira escolha.

Alex Kidd: The Lost Stars (1986)

MB: Shinobi foi seu primeiro trabalho com a Sega? Você foi designado para um projeto já proposto, teve a chance de escolher, ou foi quem teve a ideia? Qual foi exatamente seu papel em Shinobi, pode descrever?

YS: Não, na verdade meu primeiro trabalho foi a versão arcade de Alex Kidd [The Lost Stars, de 1986], como game designer assistente. Após o projeto Alex Kidd, comecei a procurar uma ideia para o próximo título, e foi assim que o ninja americano apareceu.

Meu papel foi de game designer, então trabalhei no design das mecânicas de jogo, design de níveis, design de estágios de bônus, layout da tela e design de sequência, e assim por diante...

MB: Quanto tempo Shinobi levou para ser completado, e qual era o tamanho da sua equipe?

YS: Não lembro exatamente da duração, mas acho que foi algo em torno de 10 meses. A equipe teve um game designer, três programadores, dois artistas gráficos, provavelmente.

MB: De onde veio a inspiração para Shinobi e o enredo sobre Zeed Corp., terroristas e tudo mais? Livros, filmes, outros games? O enredo é bem parecido com os típicos filmes hollywoodianos dos anos 80, sobre ninjas americanos, não?

YS: Sim, você está absolutamente certo. O enredo do ninja americano foi a base de fundação do game. Mas "Zeed Corp." foi um nome que apareceu na versão para consoles da sequência.

Nota: essa afirmação contraria quase todas os artigos sobre Shinobi para arcade, que citam a Zeed já no primeiro game. Procurei e realmente não vi qualquer referência ao termo, seja in-game ou em propagandas, manuais, etc.

MB: Então, a principal inspiração para Shinobi foram filmes como Enter the Ninja, Revenge of the Ninja, etc? Alguma outra inspiração?

YS: Lembro que assisti de tudo entre filmes de ninja, mas não lembro dos nomes. Tenho quase certeza de ter assistido os filmes que você mencionou.

MB: Shinobi tem um inimigo que lembra bastante o Homem-Aranha! Atualmente ele é citado como uma homenagem, e o mesmo aconteceu em Shinobi II, com personagens que lembram Godzilla, Terminator e Batman. Quem teve a ideia, e por que o Homem-Aranha? Alguma razão em particular?

YS: Não lembro exatamente desse inimigo. Cada inimigo no game tinha um papel específico, e o papel é que deveria determinar os trajes, eu acho.

MB: Você lembra de alguma dificuldade durante a produção de Shinobi, algo como restrições técnicas, censura, ou só uma mudança de ideia de última hora (sua ou do comando da Sega), que tenha alterado o design para o que conhecemos hoje?

YS: No início do projeto, fomos instruídos a desenvolver um novo tipo de controle, especial para o game. Tive a ideia de um joystick que teria no topo, em vez de uma bola, o formato de uma estrela ninja, com o eixo do controle mais curto. Assim você poderia deslizar o topo do controle para atirar estrelas ninja nas fases de bônus.

Fizemos um protótipo e testamos. A sensibilidade ao jogar foi boa nas fases de bônus, mas não tanto nos estágios de ação, então acabamos desistindo do controle. Esse é o principal fato que me lembro sobre mudanças de design.

MB: Shinobi virou uma franquia relevante da Sega. Foi algo de certa forma planejado, como se estivessem buscando uma nova série? Ou o sucesso os pegou meio que de surpresa? Qual era a feeling em geral quando o desenvolvimento começou: "ok, mais um jogo, vamos fazê-lo bem", ou "esse é um peixe grande"?

YS: A Sega era (e ainda é) uma companhia que gosta do desafio da inovação. Nós costumávamos tentar desenhar coisas novas, e Shinobi foi uma dessas. Não foi planejado que se tornasse uma série desde o começo. Só tentamos fazer um bom jogo.

MB: Shinobi saiu em 1987, quando o Mega Drive estava quase pronto. Já que a System 16 era similar em estrutura (M68k, Z80, etc), vocês trabalharam com o console em mente? Ou a divisão de arcade agia 100% alheia aos assuntos do setor doméstico? O que realmente quero dizer é: Shinobi foi pensado como um futuro killer-app do Mega Drive?

YS: Não, ele foi desenhado exclusivamente para o arcade, sem qualquer tipo de relação com o console doméstico.

MB: Dois anos depois, a Sega lançou Shadow Dancer. Mesmo gameplay, um ninja... mas um cachorro, e um novo enredo. Você esteve no projeto, e pode explicar porque a Sega mudou um pouco o rumo? Se Shinobi foi tão bem recebido, não seria natural partir para o Shinobi II? (Mais tarde tivemos só no Mega Drive, mas depois de Shadow Dancer, que nunca chegou aos arcades).

YS: Como Shinobi havia sido um título de sucesso, a Sega queria uma sequência. E como a Sega tinha sempre a intenção de buscar algo novo, tentamos fazer isso adicionando uma nova jogabilidade ao Shadow Dancer.

MB: Você não é creditado em Shadow Dancer do arcade. Trabalhou nele?

YS: Não, eu tinha sido transferido para os Estados Unidos durante o período, então não estive envolvido no projeto.

MB: Houve algo que gostaria de ter feito diferente em Shinobi?

YS: Se pudéssemos ter explorado mais elementos de gameplay nos estágios, o jogo seria ainda mais divertido.

MB: Depois de Shadow Dancer, Shinobi foi meio que colocado de lado, ou "em espera" pela Sega. Você pode explicar isso? A ascensão de games de luta e corrida nos anos 90 tem algo a ver, talvez os side-scrollers como Shinobi tenham se tornado "fora de moda"?

YS: Acho que a principal razão foi o game ter apenas o modo single player. Como arcades precisam ser rentáveis para seus donos, o lucro diário é um fator muito importante. Jogos com multiplayer têm mais chances de gerar lucro. Mesmo que o gameplay de Shinobi fosse popular, seu estilo era para um jogador.

No momento, a Sega tinha jogos de luta de sucesso como Altered Beast e Golden Axe, então seguiram aquela direção.

MB: Alguma história bacana para lembrar sobre a fase de design? Sabe como é, o pessoal sempre tem curiosidade sobre as etapas de desenvolvimento e a "mágica acontecendo".

YS: Durante o desenvolvimento, as fases de bônus tinham boa reputação, mas as partes de ação, não. Então no começo, o game não criou muita expectativa interna. Mas algumas pessoas acharam o game divertido e as lutas com os chefes interessantes. Elas levaram o game para o departamento de vendas, e acabou que ele vendeu muito bem.

Muito obrigado às pessoas que apoiaram o game e também as que o jogaram!!

Kane Kosugi

MB: Com se sente com a ideia de um filme em Hollywood baseado em Shinobi? Chegou a imaginar isso de alguma forma, lá no passado? Ou só sonhou "bem, se houvesse um filme, poderia ser desse ou daquele jeito"?

YS: O jogo foi inspirado pelos filmes de ninjas americanos. Sho Kosugi era o herói desses filmes. Se pudéssemos ter ele e seu filho, Kane Kosugi, num filme de Shinobi, seria maravilhoso.

MB: Pra fechar, a questão que deixa muitos fãs loucos desde 1987: por que Joe Musashi não usa máscara, como o clássico ninja de ficção, apesar de usar máscara em virtualmente todas as artes do game? Questão técnica, ou escolha de design?

YS: Bem, foi uma questão de design de personagem. Na tela-título, o herói usa a máscara para expressar que o game tem a temática NINJA. Porém, queríamos que Joe Musashi fosse um herói, mas se vestisse aquela máscara, se pareceria só com mais um de seu clã ninja. Queríamos que ele fosse um personagem destacado e independente. Então, decidimos tirar sua máscara.

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, quase mil artigos publicados em dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

5 COMENTÁRIOS

  1. Primeiro de tudo: parabéns pelo conteúdo - ótimo! Eu mesmo tinha muita curiosidade sobre a criação e de onde surgiram as idéias dos games mais famosos.

    Mas tenho duas observações: 1 - ShadownDancer teve sim uma versão console e arcade, então, algo na entrevista não está batendo.

    lembrando que no genesis, a jogabilidade se tornava bastante diferente devido a mudança toda de game design em relação ao arcade.

    2 - Minha maior dúvida de todos os tempos: Porque depois que o Genesis e SNES foram lançados, não existiram esforços para fazerem versões mais fiéis de alguns games fantásticos do arcade? Shinobi 1 do arcade teve uma versão adaptada para o Sega Master System (e copiada para o NES), porém, o Genesis tinha poder de sobra para ganhar uma versão mais fiel aos arcades. Claro, The Revenge of Shinobi foi uma sequencia à altura do original, e dados os devidos méritos, para mim compartilha de igual para igual de mesma qualidade, mas com um hardware mais potente, porque não revisitar o original do arcade?

    Eles fizeram (uma empresa chamada Ballistic se não me engano) uma versão, anos depois, do Double Dragon 1 do arcade para o Genesis, e ficou, digamos, 90% fiel ao original, algo como, Street Fighter 2 do SNES quando comparado ao arcade. Nisto posso incluir outros games que, tiveram adaptações para os sofridos 8 bits, mas foram esquecidos nos 16, como Robocop, Bad Dudes vs Dragon Ninja e Black Tiger só para citar exemplos.

    • Obrigado, Leonardo!

      Qual parte não está batendo? Note que ele não teve nenhum envolvimento com Shadow Dancer. EDIT: aliás, reli e entendi. Na verdade, quando digo no artigo que Shadow Dancer não teve versão arcade, falo especificamente da versão Mega Drive. Ela é muito diferente do arcade, praticamente um jogo diferente. E o arcade, por sua vez, também não teve versão para Mega, e sim para Master. Não ficou claro mesmo isso.

      Sobre os ports, acho que é questão de timing. Quando desenvolvedores estavam confortáveis o bastante pra tirar tudo dos hardwares, beat 'em ups tinham perdido espaço. Os fighting tinham dominado e quase todos da "elite" foram portados: MK, Street Fighter, Fatal Fury, Art of Fighting, Samurai Shodown, etc. Aí vieram os 32-bit e acabou de vez a chance.

  2. Que bela entrevista! O MB tá de parabéns por trazer um conteúdo altamente relevante e de qualidade sobre o universo retrogamer. Como é bom se deparar com coisas assim aqui no nosso país. Cheguei até vocês pelo Dr. Google. Procurando material sobre o Shinobi para a pauta que estou desenvolvendo para o podcast. Muito obrigado pelas informações. Será um prazer compartilhar com os ouvintes esse petardo.

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