Entrevista: Shigeru Miyamoto falando sobre Zelda: A Link to the Past

Acompanhe a entrevista com Shigeru Miyamoto falando sobre Zelda: A Link to the Past. Ela foi publicada pela primeira vez na revista japonesa Famicom Tsuushin, em janeiro de 1992 — apenas dois meses após o lançamento do game. Interessante para entender os pontos de vista do desenvolvedor e do público (na figura do entrevistador) quando o produto ainda era novo de mercado.

É uma combinação de ideias de design e anedotas, no típico estilo de Miyamoto. Ele fala especificamente sobre A Link to the Past, conta detalhes sobre a equipe, sugestões deixadas de fora e proposições de game design em geral.

A tradução para o inglês é do site Shmuplations e de Gliterberri, e em português é do MB, claro.

Pergunta: Tanto Legend of Zelda quanto Adventures of Link eram games do Famicom Disk System. Ao mesmo tempo que eram famosos, pra quem nunca havia tido um FDS, eram vistos como encantadoras obras de arte misteriosas. Agora que Zelda está chegando ao Super Famicom, tenho a impressão que será a primeira experiência de Zelda para muita gente.

Miyamoto: Sim, são cinco anos desde que o primeiro Legend of Zelda foi lançado. Se você não os jogou, recomendo a versão NES (rindo). Não tem tempo de carregamento de disco, e o ritmo é bom.

P: Entendo que ambos os games continuam no top 10 de vendas na América. O primeiro é especialmente bem aceito. Sendo este o caso, imagino que as expectativas para a versão SNES de Zelda devam ser extremamente altas. Quando chega a versão SNES?

M: Nessa primavera. Mas não fizemos um anúncio oficial ainda.

P: A versão SNES será igual a do Super Famicom?
M: Pensamos em fazer algumas melhorias, na verdade. Zelda faz bastante uso dos 8 Mbit disponíveis de ROM, mas sabíamos que precisaríamos de RAM extra para a tradução em inglês. Percebemos que aumentar o tamanho da ROM em 1 MBit seria o bastante. E então haverá um número de coisas para ser adicionada, que não conseguimos terminar de primeira...

Miyamoto com itens de Zelda

P: O que aconteceu?
M: Bem, a rotina de compressão que nossos programadores escreveram nos permitiu colocar tudo nos 8 MBit, afinal (rindo). Então vamos poupar essas melhorias para o próximo game.

P: Quando começou o desenvolvimento?
M: Começamos a fazer o game ao mesmo tempo que Super Mario World. Até antes, quando revelamos o Super Nintendo na companhia em julho de 1989, nossos planos sempre foram desenvolver e lançar o game junto com Mario. Queríamos fazer dele um título de lançamento para o SFC, também.

P: Parece que a data de lançamento foi consideravelmente atrasada, então.
M: Esperávamos lançar em março, mas foi atrasado para as férias de verão, e no fim, saiu no aniversário de 1 ano do SFC (rindo).

P: Mais ou menos quantas pessoas estavam no time de desenvolvimento de Zelda?
M: Na Nintendo, não passamos muito tempo ou usamos muitos funcionários no desenvolvimento de um único game. Começamos com algumas pessoas desenvolvendo um título, o que leva cerca de um ano. Então adicionamos mais alguns à equipe, que passa uns 8 meses nos toques finais. Foi por volta de novembro de 1990 que mais membros entraram no time de Zelda.

P: Então você usou um time pequeno para o sistema básico, e aí adicionou mais gente quando eles foram necessários?
M: É mais como se no começo fizéssemos um monte de testes simples com um número reduzido de pessoas, e quando o projeto começa a tomar forma, colocamos uma quantidade maior de membros para trabalhar nele.

Se você começar a fazer testes com muita gente, acaba com um monte de empregados com tempo sobrando. Especificamente, no início chegamos ao sistema que o game vai usar testando os limites do hardware, então incorporamos coisas como inimigos e na sequência os cenários.

P: Você teve que virar muitas noites?
M: Durante o desenvolvimento, trabalhei tanto que as pessoas me perguntavam "Como vai fazer quando seu corpo desistir, já que nunca vai pra casa?", mas eu sempre garanti ao menos 8 horas de sono diárias, então meu cérebro não ficava cansado.

P: É o que esperaríamos do maestro!
M: Também garanti que os programadores tirassem tempo para dormir. Trabalho não progride se você ficar sem dormir. Mas, embora fosse importante ter algum descanso, também não é bom ter pessoas dizendo "Bem, são cinco da manhã, vejo vocês amanhã". Se alguém vai embora às 5 enquanto outros continuam trabalhando duro, a reação seria "Quem é aquele cara?" (rindo).

P: Aliás, como vocês chamam Zelda internamente na Nintendo?
M: Z.E.A (rindo).

P: Hã?
M: Estou brincando. Chamamos apenas de Zelda.

P: Se o chamam apenas de Zelda, as pessoas não ficam confusas com o game original do FDS?
M: Bem, claro que quando precisamos distinguir, dizemos "o Zelda do Super Famicom". Mas aqueles dois games — Zelda do FDS e Zelda do SFC — não eram citados com frequência ao mesmo tempo, então isso não era problema. Tivemos dificuldade decidindo sobre o título.

P: Falando no título, se não me engano foi "New Legend of Zelda" durante um bom tempo.
M: Pensamos em criar um novo título. Havia uma série de alternativas sugeridas, como "Ganon's Revenge". Mas como era para o Super Famicom, decidimos por "Super Famicom Legend of Zelda" (rindo).

P: Legal e simples.
M: Ah sim, simples. Claro que havia dois games anteriores com o mesmo título Legend of Zelda, mas acho que os únicos que ficariam confusos seriam revendedores e anunciantes — duvido que qualquer jogador tivesse dificuldade em entender isso.

P: Quando começaram o desenvolvimento de Zelda no SFC, vocês tinham em mente uma visão específica, como queriam que o game fosse, de certa forma?
M: Bem, Zelda 1 tinha um sistema inadequado... Queria fazer coisas que não éramos capazes no primeiro game.

P: Chamar Zelda de "inadequado" parece muito rigoroso pra mim!
M: Por exemplo, para a entrada do dungeon do nível 7, mudamos a cor do chão quando a água é drenada, mas originalmente queríamos que a água desaparecesse. E você pode queimar pequenas árvores, mas queríamos que fosse possível queimar as grandes também... Havia muita coisa pequena assim, e eu queria que o Zelda do SFC fosse mais realista nesse sentido.

P: Entendi.
M: Além disso, mais atrás, quando Legend of Zelda foi feito, um mundo baseado em espadas e magia era novidade, assim como o conceito de poder salvar seu game. Um sistema que permitiu comprar itens dentro do game também foi novo, sem falar da solução de labirintos. Mas passados 5 anos do lançamento, vários títulos apareceram no mercado fazendo o mesmo tipo de coisa, então o senso de inovação havia desaparecido.

Achei difícil pensar no que faríamos para entreter os jogadores em seguida. Por outro lado, não podíamos simplesmente cortar as compras e dungeons por completo, só porque não eram mais novidade.

P: Entendo. Vocês queriam continuar as tradições do primeiro game, mas adicionar aquele algo a mais que o faria parecer novo...
M: Foi um equilíbrio difícil de encontrar. Às vezes penso que se tivéssemos mais dois anos para chegar nesse "algo especial", poderíamos ter feito algo realmente maravilhoso.

P: O jeito que movimentamos a espada é diferente se comparado ao primeiro Zelda. Foi algo que planejaram mudar desde o início?
M: Agora que os gráficos ficaram mais bonitos, queria fazer as animações compatíveis. Adicionando o movimento diagonal que faltou em Zelda 1, por exemplo. Se você pode se mover na diagonal, iria querer cortar na diagonal com sua espada também, certo?

P: Certo, faz sentido.
M: Mas quando tentamos colocar um golpe diagonal, os controles não funcionaram bem, e acabamos com um ataque giratório no lugar.

P: Também gostei do dash com o botão A. Ele é ótimo.
M: Havia um dash similar na versão NES de Mother. Felizmente tínhamos mais botões disponíveis para dedicar a esse movimento.

P: Foi difícil desenhar e implementar o sistema de botões?
M: Foi bem difícil equilibrá-los. Os jogadores podem fazer uma série de ações em Zelda, como "Pegar" e "Ler". Entendemos como dividir essas ações entre os botões através de tentativa e erro.

P: Podemos empurrar e puxar itens neste Zelda, também.
M: Continuo preocupado se os jogadores vão ou não entender que precisam lidar com alavancas pressionando A e empurrando (ou puxando na direção contrária). É um pouco complicado.

P: É uma preocupação bem específica, você realmente pensou bastante nisso!
M: Acho que também seria legal se você pudesse só pressionar A em frente a algo em vez de segurá-lo.

P: Então por que acabaram fazendo mais complicado?
M: Se você tivesse só que apertar A, os jogadores não entenderiam por si mesmos se o esperado era pegar algo. Acho que eles ficariam insatisfeitos se tivessem que resolver um puzzle por acidente ao apertar A tentando pegar algo, mas o personagem acabasse o puxando em vez disso.

P: Entendi.
M: Porém, se fizéssemos controles difíceis demais, haveria gente que não aprenderia como usá-los. Por isso que fizemos de um jeito para segurar coisas, e o game se tornou o que é hoje. Havia membros no time contra isso. Há alavancas que requerem que você as puxe, certo? Você tem que puxar de qualquer jeito, então estará apto a fazer isso só apertando A. Mas apertar um único botão não faz você sentir como se estivesse mesmo puxando algo... Por isso coloquei dois tipos de alavancas, e numa delas isso não funciona. Se jogadores podem decidir sozinhos qual o jeito certo de agir, terão um maior senso de satisfação quando descobrirem. Levou muito tempo para chegar a esse "feeling".

P: Os games de Zelda fazem um bom trabalho ao desafiar nossas preconcepções em games. Na maioria dos games, por exemplo, você pode despachar inimigos com sua espada ou uma arma, mas em Zelda há inimigos em que a espada é totalmente inefetiva...
M: Para algumas pessoas, Zelda é um game de aventura disfarçado de RPG. Para outros, é uma aventura disfarçada de ação. Estes podem não conseguir se afastar da preconcepção de que precisam usar a arma mais forte na luta contra o chefe.

helmasaur kingP: Mas você é capaz, na verdade, de causar danos à maioria dos chefes até sem espada.
M: Certo. Você pode causar dano ao Helmasaur King, por exemplo, com bombas ou o martelo. Originalmente o martelo não fazia nada, mas como tivemos que colocar um martelo no templo, voltamos atrás na programação para que ele também pudesse ser usado.

P: Há um jeito, mas não é "o" jeito certo. Aliás, para jogadores de primeira viagem, notei que o tempo que leva para bater o game é totalmente diferente de quando você o rejoga...
M: Em média, deve levar algo como 40 horas para ser batido pela primeira vez. Na Nintendo, acho que o recorde era por volta de 5 horas.

P: 40 horas, nossa... Sim, se você ficar preso num dos puzzles, ele vai comer muito tempo. Deve ser intimidador para jogadores acostumados com RPGs mais lineares e convencionais.
M: Incluímos rotas e soluções alternativas para jogadores que são mais fáceis. Originalmente, o sistema que prevíamos em Zelda era de um caminho mais aberto: por exemplo, se houvesse uma rocha bloqueando o caminho, você poderia ignorá-la com segurança e continuar jogando; sempre haveria outro caminho por ali. Eu queria algo em que os jogadores pudessem se perder, e que poderia levar um ano inteiro pra terminar.

P: Nossa, um ano inteiro — mas a recompensa por esse esforço seria enorme, sem dúvida.
M: O problema em fazer uma versão de Zelda com "opções abertas" seria com as mensagens e a linha do enredo. Se você ignora estruturas como aquela, o enredo vai rapidamente ficando bagunçado e mensagens de NPCs passam a não fazer sentido. Programar em lógica suficiente para lidar com todas as diferenças provavelmente requereria cerca de 150% a mais de memória do que usamos.

P: Adoraria jogar uma versão "desestruturada" de Zelda um dia. "The Legend of Zelda: Hard Type" (rindo). Alguma das ideias desse conceito foi levada adiante?
M: Sim, a habilidade de destruir paredes com bombas.

P: Certo, onde as paredes tem pequenas rachaduras.
M: Na verdade, mesmo que não tenham essas rachaduras, ainda há um jeito de descobrir se a parede pode ser quebrada. Quando você acerta as paredes com sua espada, normalmente o som é um "ting ting", mas paredes que podem ser quebradas fazem um som oco. Pela perspectiva do jogador, quando andam acertando as paredes tentando descobrir um som diferente, acho que é um jeito que causa mais satisfação.

P: Parece um caça ao tesouro ou algo assim.
M: Mas claro que há também um problema com o quanto tempo isso requer para dar resultado. Pensando nisso, pesei a satisfação que o jogador teria na busca e localização de uma parede quebrável com a ideia de quanto tempo isso levaria realisticamente. Enfim, optei por colocar rachaduras nas paredes que podem ser destruídas.

P: Você teve outras ideias para A Link to the Past que acabaram cortadas pela limitação dos 8 MBit?
M: Sim, muitas! Mas você não pode jogar todas as boas ideias num game. A ideia tem que se conectar a algo no jogo, e é preciso haver consistência entre elas. Houve muitas mais que gostaríamos de ter usado!

P: Que tipo de ideias teve?
M: Uma ideia era com a tocha: se você a usasse numa área de vegetação, causaria um grande incêndio. Se cortasse uma área circular ao seu redor, poderia ficar com segurança lá, no meio.

P: Parece que seria divertido. Algo mais?
M: Nas áreas alagadas, você poderia usar uma pá para cavar uma vala, e então ao jogar uma bomba faria a água se precipitar pelo buraco que cavou. A ideia estava meio-completa... Se tivéssemos mais 6 meses, teríamos conseguido torná-la realidade.

P: Nossa, incrível. Não há mesmo fim em ideias interessantes que alguém podem ter, não é?
M: Acredito que ideias são infinitas. Atualmente o mundo está cheio delas. É trabalho do game designer descobrir como compilá-las e programá-las num videogame. Acho que a habilidade de coletar e organizar coisas é até mais importante ao fazer um game do que o poder da imaginação e criatividade.

P: Entendo. É muito mais sobre pegar aquela ideia do mundo real e acertar as arestas para caber no mundo do game.
M: Sim, é uma questão de selecionar, amplificar e organizar essas ideias.

P: Seja com Mario ou Zelda, pelos últimos vários anos você esteve ocupado principalmente fazendo sequências. Tem planos de anunciar um game totalmente novo em breve...?
M: Agora que você mencionou, sim, não tenho feito nada novo desde Onigashima [Shin Onigashima, lançado em 1987 para o FDS com produção de Miyamoto e Hiroshi Ikeda]. Há uma variedade de coisas que quero fazer. Quero continuar a buscar o estilo de games encontrado em Pilotwings, por exemplo...

P: O estilo de Pilotwings? O que quer dizer com isso?
M: Na minha opinião, um game não é só o tempo gasto jogando ele. Ele também inclui momentos quando você está longe de casa e pensando "Vou jogar quando voltar". Isso significa que devemos fazer games que façam os jogadores pensarem consigo mesmos "Talvez eu jogue hoje por uns 5 minutos." Se você incluir coisas que nem sabe se deve chamar de game sob o chapéu dos games de computador, as ideias nunca acabam. Games de computador estão testando todo tipo de coisas novas. Nunca vamos ficar sem material.

P: Estou empolgado em ouvir isso! Então, para concluir: ideias novas para o próximo Legend of Zelda?
M: Para o próximo Zelda, se seguirmos o padrão, será provavelmente o "Super Nintendo: Adventure of Link" (rindo).

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, quase mil artigos publicados em dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

Deixe seu comentário

Digite seu comentário!
Digite seu nome aqui

Mais recentes

Análises