Breve história dos text adventure games e introdução ao Twine

A tecnologia dos videogames pode ser relativamente nova — os primeiros jogos surgiram em meados dos anos 50, coisas banais como simulações de tênis ou tic-tac-toe —, mas a narrativa funciona desde que o mundo é mundo. Entretendo e informando, o "contar de história" encontrou nas mecânicas dos jogos um novo ambiente cheio de possibilidades, nascendo então as ficções interativas e aventuras em modo texto, ou só "text dventures".

Um dos primeiros e até hoje reconhecido como o maior é Zork, que a partir de 1977 e ao longo dos anos 80 ganhou o coração de quem curtia fantasia, tecnologia e literatura. Baseado em (este sim, primeiro do gênero) Colossal Cave Adventure, escrito em 1976 por Will Crowther, Zork foi escrito por Tim Anderson, Marc Blank, Bruce Daniels e Dave Lebling, rodando através de terminais de um gigantesco mainframe PDP-10, no MIT, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts.

Além da trama envolvente, numa aventura subterrânea com toques de humor, Zork teve a seu lado o fato de nascer num período em que games visuais, com gráficos, ainda não eram tão populares; Pac-Man só viria três anos depois e Pong já era mito do arcade, mas menos amigável em termos de programação para jovens estudantes, que quando muito tinham acesso a um terminal da faculdade, caso do MIT.

O conceito do que é videogame não estava invariavelmente preso a ideia de um "vídeo" ou gráfico se movendo na tela, como hoje; por assim dizer, as mentes eram mais abertas, porque ainda não haviam sido moldadas.

Emulation Zork Intro
Zork era o nome provisório, sendo Dungeon o escolhido quando o jogo estava pronto. Mas para evitar problemas com a TSR, dona de Dungeons & Dragons, ficou como Zork mesmo.

"Gamers modernos têm visto e jogado uma grande variedade de games desde 1989, e claro que Zork é uma experiência bem estranha para eles; é retrô, é difícil de se acostumar, não é gráfico. Fico satisfeito de ver pessoas que ainda o jogam, dado o tempo que passou e todos os avanços em software e hardware", disse Lebling muitos anos depois do auge.

Lançado para diversos computadores, Zork trazia muito mais comandos que CCA, com riqueza no texto como uso de pronomes, variações de tempo verbal e construções complexas (exemplo: em vez de "pegar espada", podia haver um comando elaborado como "pegar espada e atacar o monstro"), além de comandos diretos como "save", "quit", etc. O desenvolvimento foi inspirado por CCA, e programado numa máquina mais avançada, com mais suporte a manipulação de strings, foi possível aumentar a qualidade geral e logo, a imersão. Se CCA foi baseada na exploração de uma única caverna, Zork foi além, inserindo locações, personagens, corporações, tramas paralelas e itens; ele melhorou o antecessor em tudo.

Colossal Cave, por sua vez, estabeleceu conceitos perenes como a estrutura de busca por itens e manipulação de objetos, inventário e comandos de movimento na exploração de mapas ("OPEN DOOR", "GO SOUTH” etc). Tem elementos inspirados na obra de J.R.R. Tolkien, como anões, feiticeiros e magia; o próprio Tolkien desenhava mapas de sua ficção, e se tivesse acesso a algo assim, quem sabe o que daria... Foi também o primeiro a usar o conceito de labirinto "não-Euclideano", em referência à geometria — no game design, labirintos com salas descritas como praticamente idênticas, para confundir o jogador. A única forma de passar pelas salas sem se perder é deixando marcas, como objetos que podem ser largados e com isso alteram sua descrição ("Há uma espada no chão", ou "Há uma tocha apagada", etc).

Não é requerido que os jogadores só coletem tesouros, que é o mote principal da aventura, mas também os deposite em certos pontos para acumular pontos, característica replicada em Zork.

Colossal Cave Adventure rodando num PDP-11.
Colossal Cave Adventure rodando num PDP-11através de um terminal VT-100. Imagem: Autopilot.

Embora exista um consenso de que os games gráficos "mataram" as aventuras em texto, não dá pra saber se isso é totalmente verdade, já que a indústria priorizou o marketing das máquinas com tecnologias mais modernas, enquanto os fãs da leitura continuavam lá.

Futuro? Com a ascensão dos consoles, aventuras em texto perderam espaço, sendo poucos de destaque e quase na totalidade com acréscimo de gráficos, mesmo que estáticos. A Infocom, dona dos direitos de Zork, quebrou e acabou adquirida pela Activision, que em 1987 lançou uma versão com cenas ilustrativas, Beyond Zork, com vários pontos em comum com RPGs tradicionais na navegação de mapas e uso de itens — quase irreconhecível, exceto pela riqueza de texto. A Electronic Arts publicou em 1986 Amnesia para computadores, que simula a vida de um desmemoriado em Manhattan.

Já no NES, o gênero evoluiu para adventures point-and-click (Shadowgate), e logo viriam conversões de jogos ainda mais ricos com mídia, como Snatcher (joguei aqui, vale a pena), primeiro trabalho de Hideo Kojima; no fundo, são fortemente baseados em texto.

Quer criar um text adventure?

Felizmente hoje é bem acessível uma ferramenta para desenvolver text adventures, em casa, não precisamos mais de um terminal de mainframe como os desbravadores nos anos 70. E o melhor é que muitos sequer exigem conhecimento de linguagens de programação.

Sempre tive vontade de produzir algo nessa linha, mas faltava o conhecimento. Testei algumas ferramentas e entre as mais versáteis e interessantes, está o Twine (falei dele aqui e até mostrei um trecho básico de jogo). Se você tem alguma base de HTML, CSS e Javascript, vai se dar bem com ele, dá pra criar jogos realmente grandes.

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, quase mil artigos publicados em dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

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