Arcade, a “rede social” do passado

Hoje os videogames contam com uma vasta rede para jogos online, como a rede do PlayStation que toda vez que sai do ar, deixa muito caboclo aos prantos. Afinal, jogar em rede é o que há! Você na sua casa, confortavelmente instalado, trocando cacetadas, marcando gols ou dando tiros em outros caras por aí, enquanto (não ao mesmo tempo, espero) coça o saco e relaxa os pés sobre a mesa, YEAH!

Como jogador das antigas, sei que esse sonho (jogar em rede, não jogar e coçar simultaneamente) era corriqueiro nas gerações passadas. Era o meu também. Parecia algo extremamente distante, mas o futuro chegou pra nós.

Um tempinho atrás, tínhamos as lan houses lotadas, com um nível razoável de socialização, numa febre que durou alguns anos. Foi um momento bem peculiar, que o alto preço dos produtos de informática proporcionaram. Mas como mamães preocupadas, educadores e psicólogos odiavam e preferiam ver as crianças "debaixo de suas saias" — afinal, bom mesmo é ficar socado em casa, mofando no quarto — e com a popularização da internet e a queda do preço da tecnologia, ficou mais cômodo e usual jogar em casa.

Tudo bem, nada como o conforto do lar, onde você pode dar uma paradinha no jogo e tirar uma água do joelho, comer uma paçoquinha... Mas cá entre nós, muito mais divertido era o contato "tête-a-tête" com amigos/adversários ali do seu lado, pra você caçoar dos coitados que perdessem uma luta no Street Fighter, levassem um gol no Fifa 95, perdessem uma corrida do F-Zero ou caíssem em algum buraco do Golden Axe (veja mais abaixo :P).

Tirando a experiência artificial do chat online, a tecnologia nos privou desse contato, ao que parece pra sempre.

Perigosamente próximos

muay thai infantil
Rasteirinha-agarrão? É assim que se resolvia. Imagem: Nicolas Asfouri/Getty Images

Claro que essa proximidade poderia não ser tão divertida em algumas situações, como ao apelar para técnicas não condizentes com a "ética dos games". Por exemplo, bater no oponente tonto ou a infalível sequência "rasteirinha-agarrão" do Street Fighter II eram capazes de render brigas sensacionais nos botecos. A molecada se estapeava igual os etílicos brigando por da ficha da sinuca.

"- Já era, perdeu! Próximo!"
"- Calma, ainda posso recuperar!"
"..."
"- QUE ISSO, rasteirinha e agarrarão, apelão *Xɸʘ*жѺ♯∆!!"

E a discussão virava porrada fácil. Máquinas desligadas após a sequência eram comuns, cansei de presenciar. Já jogando online, você pode fazer quase tudo o que quiser; o único risco que corre é ser chutado do servidor pra largar de ser HUEBR. Mas pelo menos estará com todos os dentes no lugar.

Influência maligna

golden axe fase 3
No buraco não tinha warpzone nenhum... Só o quinto dos infernos, onde os personagens eram atirados pelos mais afoitos e ingênuos.

Sem contar a influência nefasta de quem assistia você jogar. Como normalmente estes estavam esperando sua derrota para jogar logo, sacanear os menos experientes na máquina era comum.

Um bom exemplo são os buracos da terceira fase de Golden Axe, quando se mandava o infeliz jogador ingênuo para a morte com uma promessa digna de Maluf:

"- Ali o buraco, tá vendo? Pula nele, tem um riozinho e você sai direto na vila, é um atalho! Muito louco, pula pra você ver!"

Com a entonação correta, era certeza de suicídio. E lá iam bárbaro, amazona e anão pro limbo ?. Só não podia fazer isso com jogadores mais velhos, senão a regra da porradaria citada antes podia ser posta em prática. Contra a sua cara.

Outra maneira de sacanear oponentes era simplesmente sonegar informações. Por que dizer que com meia-lua + soco o Ryu daria um "tirinho de água"? Deixa o infeliz perder logo que eu sou o próximo! Alguns jogadores, que tinham contato com revistas gringas, quase sempre tinham macetes na manga na hora de jogar. A maior parte não contava nem sob tortura.

Taito não engole fichas

Arcade Virtua Fighter 2
Quer jogar? "Esvazie os bolsos sobre o balcão, SIM?

Esse é o título de um disco de uma banda de punk brasileira, da qual com certeza os integrantes viveram a época das fichas. Nada dessa put... palhaçada de cartãozinho de recarga, para violentar nossos bolsos.

Lembro o primeiro contato que tive com esse abuso tecnológico: no Shopping Center Norte em SP, a Playland havia modernizado seus arcades não muito antes, adotando o sistema de cartão. Um único crédito para jogar Virtua Fighter 2, da Sega, custava o equivalente a umas dez fichas de antes, só porque era novidade. Claro que me recusei a ser extorquido daquela forma, e fui torrar créditos jogando Street Fighter Champion Edition.

Mas voltando ao assunto fichas: elas tinham seus inconvenientes, mais notavelmente —  para não dizer único — as máquinas gulosas que as engoliam e não davam crédito. Claro que não sem ser severamente socadas pelos quase-jogadores, até o responsável pela máquina chiar. Quase nunca adiantava: engoliu, já era.

Mas tinham praticidades, como serem carregadas no bolso e usadas (quando serviam, o que era raro além de ilegal) em outros arcades. Não amassavam nem quebravam, a não ser que você fosse muito ninja e/ou revoltado; traziam mensagens bonitinhas do tipo "não usem drogas"... Quantas vidas foram salvas por essas mensagens? Espero que muitas!

E o principal: CUSTAVAM O MESMO PREÇO PARA DAR CRÉDITO EM QUALQUER MÁQUINA DA CASA. Nada de "jogo novo, créditos em dobro" (ok, algumas tinham aquele negócio de 2 coins/1 credit, mas ainda era mais barato que o cartão).

Fichas de arcade
Só dar crédito? As fichas eram amigas conselheiras.

As broncas paternas e maternas de "nada de se enfiar nesses fliperamas, hein?" até eram justas. Alguns "flipers" podiam ser locais bastante mal-frequentados, dependendo da localização. Estar num ambiente dominado por punguistas, pequenos traficantes, noiados, e sabe-se lá o que mais, não era recomendável para moleques bobões que só queriam brincar.

Nesse caso, casas mais modestas, de bairro, ganhavam, pois só eram frequentadas pelo pessoal da área. Eram principalmente bares, lanchonetes, locadoras e áreas sociais de condomínios. Arcades do centro, só em ocasiões especiais.

Arcade-consoles, graças às locadoras

Com a conversão dos clássicos do arcade para consoles, como Pit-Fighter, Street Fighter e Mortal Kombat, as locadoras adotaram rapidinho uma técnica que foi muito popular: montar aparelhos para jogar no local, em TVs bem grandes.

neo-geo
Alguns moleques venderiam a rosca alma pra ter um desses em casa...

Como tinham em casa esculhambadas Telefunken dos anos 80, estar na locadora no sábado de manhã, jogando novidades numa tela de 29" era sedutor. Ainda mais porque não era difícil criar vínculos com jogadores locais, transformando a jogatina em mini-campeonatos, onde não se ganhava nada de valor, só a diversão da disputa mesmo.

 

Era também a única oportunidade para alguns experimentarem certas plataformas, como os "videogames de bacana" (3DO, Neo-Geo), que eram MUITO caros e praticamente inacessíveis para pobres mortais.

Não satisfeitos em montar consoles, algumas locadoras apelavam para as toscas máquinas com consoles em lugar de placas de arcade. Eram estranhas, fajutas e mais desconfortáveis do que um arcade comum, além dos controles mal acabados e frágeis. Jogos que exigiam muito dos botões, como os de luta, quase sempre acabavam quebrados. Não curtia muito aquelas máquinas (embora tenha jogado bastante nelas), mas no geral eram apreciadas.

Arcades hoje

Cena comum de um passado não tão distante, que hoje só existe em ambientes retrô...

Deixei de frequentar arcades há muito tempo, mas nem preciso estar lá para saber que o perfil e o movimento mudaram um pouco. Em vez do infalível esconderijo de cabuladores e office-boys enganando o patrão, passou a ter um pessoal ligeiramente mais "familiar", com a introdução de simuladores de dança e afins. Claro que ainda tem os redutos de pivetes, mas a internet roubou muito cliente dos velhos abrigos.

E com a quase extinção das lan houses, vai-se o último ambiente em que a gente socializava jogando na vida real. Porque jogar via rede não é exatamente real... Fica a saudade de um tempo diferente, quando as novidades não estavam na tela do computador, mas na rua, esperando ser descoberta.

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, mais de mil artigos publicados, mais de dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

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